- 07 de abril de 2019

Notícias douradas

0

O problema das estatísticas é que elas passam a governar a mentalidade de muita gente que deixa de enxergar a realidade e passa a viver apenas em função dos dados de toda espécie de tabelas.

esperana_de_vida_em_2045

Tudo isso quer dizer que a estatística não produz fenômeno nenhum a não ser a própria estatística.

O que se tem observado é a utilização de estatísticas como se elas fossem os próprios fenômenos, como se elas tivessem a possibilidade de alterá-los. Em muitos casos, o tempo que se perde na discussão das metodologias usadas e no significado “oculto” dos números acaba colocando em segundo plano a realidade que teoricamente justificaria a existência da estatística. Tem acontecido muito com as estatísticas referentes às eleições, às estruturas das casas legislativas, aos índices econômicos e sociais e a uma infinidade de fenômenos que movimentam a sociedade e a vida em geral.

Agora é o envelhecimento populacional que começa a sofrer a “doença das estatísticas”.

Exemplo disso é o Índice Futuridade. É um indicador que deveria mostrar a condição de atendimento social às pessoas de 60 anos em diante, em cada município do Estado de São Paulo.

A partir da organização de uma base de vários dados disponíveis pelo governo, cada município foi avaliado e recebeu uma nota composta por vários fatores observados.

Não há nenhuma informação de visitas realizadas nos municípios. O indicador foi montado em cima de números estatísticos anteriores. Não há indicação da metodologia utilizada para a compilação de todos os números. Onde, quando, quem forneceu e como foram originalmente levantados.

Seja como for, o resultado é um índice, o chamado Índice Futuridade criado pela SEADE  (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados).  Os dados foram consolidados em 2008, divulgados em 2009 e quatro anos depois continuam válidos conforme revela a própria SEADE.

Aí já ocorre uma dúvida: como pode um índice manter-se válido por quase seis anos em um aspecto que sofre uma profunda mudança estrutural em um período muito inferior?

A velocidade do envelhecimento populacional em São Paulo e no Brasil é a mais veloz de um país de grande população. Estaremos passando de 7 para 14% de participação do pessoal de 65 anos em diante no conjunto populacional em 21 anos, muito abaixo dos Estados Unidos (69 anos) ou Reino Unido (49 anos), por exemplo.

O Índice Futuridade relaciona os 645 municípios paulistas e fornece um valor de 0 a 100 para cada um deles, sendo zero o resultado pior e 100 o melhor.

Aí já reside outro problema: nenhum município atingiu o valor 100 ou zero. O mais alto alcançou 86,2 e o mais baixo 15,8. Isso quer dizer que os parâmetros foram estabelecidos antes do levantamento dos dados. Os critérios para estabelecer 100 devem ter levado em conta alguma referência.

Mas será que realmente 100 indicariam um resultado ideal?

E qual seria esse ideal?

Seria o ideal desejado pela maioria das pessoas que formam a sociedade?

Seria o ideal das autoridades públicas?

Seria o ideal dos defensores dos direitos humanos?

Seria o ideal das possibilidades do orçamento estatal?

Seria o ideal nas condições atuais da sociedade brasileira?

Seria o ideal existente nos Estados Unidos, ou na Suécia? Ou na Dinamarca? Ou no Japão?

O Índice Futuridade está concretizado como estatística oficial do governo do Estado de São Paulo. Vai servir para quê?

Para que adianta o Índice indicar o município de Santo Antônio da Alegria como o melhor do Estado de São Paulo com 86,2?  O que pode esse município de 6.300 habitantes, com prováveis pouco mais de 800 pessoas de 60 anos em diante servir de exemplo para o município de São Paulo com mais de 1.200.000 idosos da mesma idade e em condições ambientais, sociais e econômicas completamente diferentes daquelas de Santo Antônio da Alegria?  E na prática o que se fez com a estatística? Qual foi o benefício real que ela trouxe para os municípios?

Se os dados de 2008 continuam válidos, é pertinente dizer que não serviram para nada até agora, quase seis anos depois. Para Santo Antônio da Alegria e para uma centena de municípios que tiveram um índice superior à média, as notícias sobre o futuro parece serem douradas. Para os demais, são de cores sombrias ou sem cor nenhuma.

Caso o Índice Futuridade tenha realmente valor, ele teria que ser à base de um programa do governo e da iniciativa particular para que o futuro da sociedade do Estado líder da Federação seja diferente da realidade. Aí sim, as estatísticas serão instrumentos de mudança na sociedade e não simples tabelas numéricas.

Torquato Morelli

Compartilhe.

Leave A Reply