- 07 de abril de 2019

Poderemos, enfim, resgatar a dignidade de morrer.

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Poderemos, enfim, resgatar a dignidade de morrer. Janice Caron Nazareth, nos ensina a “encarar a vida” e meditar a respeito.Poderemos, enfim, resgatar a dignidade de morrer. Janice Caron Nazareth…

Poderemos, enfim, novamente morrer em paz!

 Dra.Janice Caron Nazareth*

direitomorrerEm 1º de dezembro de 2010, finalmente, uma excelente notícia: o juiz federal Roberto Luis Luchi Demo emitiu a sentença que considerou improcedente o pedido de anulação, feito pelo Ministério Público Federal, da Resolução 1805/06 do CFM, que trata dos critérios da ortotanásia.

Colocando, clara e definitivamente, a justiça contra a “obstinação terapêutica”, Sua Excelência baseou sua sentença em estudo da Procuradora Luciana Loureiro, do Ministério Público Federal, onde medidas inúteis de prorrogação foram caracterizadas como maleficência quando a vida, decididamente, não puder mais ser salva: neste momento, é imprescindível que beneficência, ao contrário, passe a ser entendida como amparar paciente e família, nos moldes dos médicos antigos, deixando de lado o uso abusivo da tecnologia, que, aqui, não mais se justifica.

Ambos se basearam em análise de extensas discussões realizadas pelo CFM (Conselho Federal de Medicina), antes da redação desta Resolução e após sua suspensão provisória. Na verdade, deverá caber ao médico e tão somente a ele, decidir sobre a impossibilidade de cura, assim como já estabelecido sobre a determinação dos critérios de morte. A partir daí, ele, junto da equipe multiprofissional e da família, adotará as medidas adequadas, não mais para salvar, mas, sim, oferecer conforto, carinho e dignidade até o momento final.

O termo obstinação terapêutica (l´acharnement thérapeutic) foi introduzido, segundo Pessini (2002), na linguagem médica francesa por Jean-Robert Debray, no início dos anos 50, sendo definido como o comportamento médico que consiste em usar métodos terapêuticos cujo efeito é mais nocivo do que os efeitos do mal a curar, ou inútil, porque a cura é impossível e o benefício esperado é menor do que os inconvenientes previsíveis. Em espanhol, temos “encarniciamiento terapêutico”.

Segundo Hennezel (2000), é preciso diferenciar a supressão de medidas terapêuticas de eutanásia, onde se executam, ativamente, medidas a favor da morte.

Kovács (2004) diz que “prolongar indefinidamente processos nos quais não se sabe se impera a vida ou a morte, nos quais só se fala de funções e sinais, e não mais de um ser humano, com uma vida de relação, que toma decisões sobre sua própria vida, parece ser um grande engano. Este prolongamento da “vida daqueles que já morreram” pode indicar processos distanásicos, ou seja, aqueles cujo tratamento causa mais sofrimento do que benefícios”.

Segundo Esslinger (2004), várias considerações são necessárias para avaliar e repensar sobre o processo de terminalidade: 1) O que estamos chamando de vida? 2) O que estamos chamando de morte? 3) O que fazer diante de um paciente “fora de possibilidades terapêuticas?”. Em resumo, como facilitar o processo de morrer de cada paciente?

Ao médico cabe, enquanto detentor do conhecimento técnico, aliado à sabedoria e sensibilidade em relação às características do paciente e seus familiares, saber, claramente, o que, quando e como informar, não com paternalismo omisso, mas com a participação ativa de todo o grupo. A equipe de saúde, o paciente e seu cuidador familiar devem manter um diálogo que possibilite o reconhecimento das necessidades que fariam a diferença: discutir seus medos; fornecer informações adequadas sobre a doença e seu prognóstico; comunicar-se sem censura, partilhando suas angústias.

O desenvolvimento da tecnologia não pode e não deve distorcer a verdadeira missão médica: combater doenças, prolongando a vida e garantindo um mínimo de qualidade, assim como interagir intensamente com aqueles que dependem de nossos cuidados, mesmo quando estes não forem mais curativos. É preciso ter em mente que cuidar para morrer não é, em absoluto, menos importante ou louvável do que cuidar para salvar. Não nos podemos julgar deuses onipotentes, pois, como tal, impingiremos sofrimento adicional aos nossos pacientes e familiares, ao tentar manter a “vida” a todo custo, principalmente quando a morte já ocorreu: esse, sim, um verdadeiro erro médico!

*(médica cardiologista e coordenadora da CoBi do HAOC – Comissão de Bioética do Hospital Alemão Oswaldo Cruz)

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