- 07 de abril de 2019

VIPPES X VIPPES

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O envelhecimento populacional cria situações que antes só ocorriam de forma muito esporádica e pontual. As relações humanas começam a passar por transformações profundas em sua estrutura.

vippesdireitosUltimamente tem chegado às juntas trabalhistas uma série de ações diferenciadas da maioria dos casos até então normais e que envolvem pessoas de mais idade.

Analisamos detidamente um deles.

Resumo do caso:

Uma senhora de 90 anos foi se consultar em um hospital e encontrou uma atendente de 70 anos. As duas conversaram durante quase duas horas enquanto a mais velha era preparada para um exame especial e ao final entraram em um acordo para que a mais nova fosse tomar um café no apartamento da mais velha, muito próximo do hospital.

Conversa vai e conversa vem, a mais nova se queixou de que, ao terminar o trabalho no hospital, tinha que tomar duas conduções para ir dormir na casa da filha em bairro bem afastado.  De madrugada teria que voltar para o trabalho no hospital e que estava cada dia mais exausta.

A mais velha, costumeiramente fazia caridade para pessoas mais necessitadas. Condoída da situação da outra ofereceu-lhe hospedagem noturna o que tornaria desnecessária a tomada das conduções cansativas. A mais nova aceitou a oferta e terminado o trabalho no hospital ia para o apartamento da mais velha, tomava um banho, jantava e depois ficavam as duas em um papo frente à televisão até a hora de dormir. Como a mais velha tomava medicação para dormir, pela manhã a mais nova ia embora para o trabalho no hospital e a mais velha ficava dormindo até a chegada da empregada doméstica diária.

A relação entre as duas transformou-se em sólida amizade durante a semana já que a mais nova passava os fins de semana na casa da filha.

Como a mais velha recebia uma pensão especial como viúva de um servidor público ela ajudava a amiga mais nova na compra de remédios (a mais velha era muito mais saudável que a mais nova), de alimentos, roupas e ainda dava uma colaboração em dinheiro para ajudar nas despesas da casa da filha. Um dia era vinte reais, no outro cinquenta conforme a disponibilidade e de acordo com os lamentos da mais nova.

No começo deste ano, após mais de cinco anos de amizade admirável, houve um desentendimento entre as duas e a mais velha decidiu romper a amizade (aparentemente a mais velha passou a apresentar sinais evidentes de senilidade esquecendo algumas coisas, repetindo outras e até “esquecendo” de manter a ajuda financeira habitual).

A mais nova deixou de ir ao apartamento, mas após duas a três semanas procurou a mais velha pedindo que ela voltasse a aceitá-la para dormir à noite. A mais velha não aceitou o retorno da ex-amiga, pois chorara muito nas duas primeiras semanas, mas depois se conformou.

Até aí temos uma história que se repete aqui e ali e que sempre aconteceu.

Só que a mais nova orientada por “amigos” contratou uma advogada e entrou com uma ação trabalhista reclamando pelos direitos empregatícios com todas as multas por ausência de registros, pagamentos de férias, décimo-terceiro salário, fundo de garantia, seguro-desemprego, imposto de renda e outros direitos inerentes a uma relação de emprego. Alegou que trabalhava na casa da mais velha como “cuidadora de idosa”.

A mais velha, ao receber a intimação para a audiência trabalhista, entrou em um surto emocional profundo e teve uma piora no seu estado geral. Não podia acreditar que a ex-amiga pudesse ter usado a amizade e os favores que recebeu como uma arma de ataque.

Sem definir o aspecto ético e jurídico, é necessário, porém, que se tenha em conta que esse tipo de situação vai se tornar constante nas varas trabalhistas.

Como os VIPPES crescem em proporção avassaladora, haverá milhares de casos de VIPPES morando juntos. Esses compartilhamentos de moradia poderão acontecer de maneiras diversas. Alguns poderão ficar juntos dia e noite, outros durante o dia e parte apenas durante a noite. A relação entre os moradores poderá ser apenas de amizade, de colaboração, de compartilhamento de segurança, de compartilhamento para redução de despesas com alimentação, com energia, com equipamentos diversos. Isto sempre se fez, mas em volume pouco expressivo.

No fenômeno da transição etária veloz, a relação entre VIPPES vai ser, provavelmente, a mais volumosa dentre as classes etárias. Será predominante a relação de VIPPES com VIPPES por razões diferentes: companhia, divisão de despesas, segurança, apoio emocional, união amorosa, casamento, união estável.

As varas trabalhistas e os juízes do trabalho terão necessidade de avaliar sob novos ângulos as ações reivindicatórias de “amigos” que “trabalhavam” para VIPPES mais velhos ou mais novos que eles. Será preciso muito senso crítico para separar os casos reais empregatícios dos conflitos ou desavenças pessoais motivadas por sentimentos emocionais comuns nos seres humanos de qualquer idade. Desde já é conveniente que as decisões judiciais sejam suportadas por uma jurisprudência que crie barreiras para evitar entupimento maior no sistema de distribuição da justiça. Se isso não começar a ser observado agora, a cada dia a sociedade se tornará mais desconfiada e insegura e esse será um problema que pode fazer da transição etária uma fonte monstruosa de processos emocionais transferidos de consultórios médicos para salas de audiência judicial sob o rótulo de relações trabalhistas.

Germano Hansen Jr.

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