O envelhecimento populacional é uma onda que cresce assustadoramente diante da impassividade irresponsável da maioria das autoridades governamentais em todas as esferas e partidos.
E onde entra a Medicina?
Vai assumir provavelmente o papel mais importante na nova demografia etária. Com todo o progresso tecnológico na área da saúde, o envelhecimento é um fenômeno irreversível, natural.
Todos vão envelhecer.
O problema, ironicamente, é que a esperança de vida aumentou e maior número de indivíduos vai atingir idade mais avançada em relação às últimas décadas. Não serão pessoas doentes, mas terão incapacidades e insuficiências causadas pela degeneração molecular normal e suas múltiplas consequências já esperadas.
Naturalmente o avanço científico proporciona melhores expectativas em relação ao século passado. Um diagnóstico é mais rápido e mais preciso. O mesmo acontece com os tratamentos.
Entretanto, a hipertensão vai continuar. Também a osteoporose. A obesidade não diminuirá muito e diabetes, artroses e depressão prosseguirão ainda que com intensidade reduzida.
A questão complicada é que pacientes com mais de cinquenta anos vão se multiplicar em prazo muito curto. E eles possuem características diferenciadas que precisam de visão ampla muito além da clínica médica tradicional.
Quem vai atendê-los? Quem irá diagnosticá-los? Quem deverá fazer uma avaliação criteriosa e seletiva deles? Quem deverá pesar os recursos disponíveis? Quem decidirá e selecionará aqueles que poderão ter atendimento e dispensará os demais?
Não serão os políticos, administradores, engenheiros, advogados, comerciantes e industriais, mas sim profissionais da medicina. Entretanto, não serão todos que terão competência para a tarefa. Parte dos pediatras, obstetras e ginecologistas em excesso serão descartáveis (já está acontecendo).
Geriatras e Clínicos Gerais especializados em VIPPES terão a vez neste século. Não há nada que possa mudar essa previsão. Evidentemente que os demais especialistas manterão a sua importância como até agora. Apenas não terão evolução na quantidade de pacientes porque estamos quase no auge do pico populacional e se não houver direcionamento curricular adequado, sobrarão profissionais especializados em áreas não ligadas ao grupo etário dos VIPPES nos próximos anos.
O assunto não é novo e vem sendo discutido desde a segunda metade do século passado. Para referência, a SBGG – Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia foi fundada em 16 de maio de 1961 na cidade do Rio de Janeiro que na época ainda era o maior centro cultural do País. Nessa década aconteceu o I Congresso Nacional de Geriatria e Gerontologia, entre 28 a 31 de maio de 1969 e neste mesmo ano o Dr. Frederico Alberto de Azevedo Gomes foi o primeiro a receber o Título de Especialista (pela SBGG), em 1º de outubro de 1969.
A falta de apoio não permitiu que houvesse um desenvolvimento da SBGG da forma como os primeiros organizadores desejaram e assim alguns de seus objetivos não foram alcançados.
Um dos pontos mais importantes para o País é a mudança dos currículos educacionais que formam os profissionais de saúde no Brasil e especialmente os médicos. Até agora nada mudou.
Há excelentes trabalhos sobre a discrepância das competências necessárias para o atendimento dos VIPPES e a realidade da formação médica. Podemos destacar um deles: “Novas competências profissionais em saúde e o envelhecimento populacional brasileiro: integralidade, interdisciplinaridade e intersetorialidade” das autoras Luciana Branco da Motta e Adriana Cavalcanti de Aguiar.
Transcrevemos o resumo do trabalho apresentado pelas autoras em junho de 2005 e aprovado em julho de 2006.
“Resumo Este trabalho discute as características da formação médica frente ao processo de envelhecimento e as especificidades da atenção à saúde do idoso, de forma a sistematizar as competências necessárias para profissionais de saúde. A premissa é que existe uma distância marcante entre, por um lado, conteúdos necessários à boa prática geriátrica e diretrizes das políticas de saúde e educação e, por outro lado, o currículo atual da graduação e da pós-graduação. A transição epidemiológica e demográfica coloca a Geriatria e Gerontologia como uma especialidade com mercado em expansão, tanto no setor público como privado, implicando a discussão da normatização da formação e distribuição de RH na saúde. Porém, a pouca valorização da presença de seus conteúdos nos currículos não reflete apenas uma questão pedagógica. Ao que tudo indica, apesar da legislação existente, ainda não está clara a importância destes conteúdos para a sociedade. A inclusão do processo de envelhecimento como curso de vida e em todos os seus aspectos nos currículos de graduação é uma prioridade. É também necessário ampliar a discussão sobre o papel da pós-graduação, da educação permanente e da educação continuada a fim de fazer frente ao desafio de envelhecer com qualidade”.
Muito se fala no Brasil sobre os problemas de educação e a ausência de políticas desenvolvimentistas e atualizadas.
No caso em pauta é imperioso mudar a situação porque as projeções estatísticas da substituição etária tornarão o País inviável nas questões de saúde se não houver pessoal preparado no conhecimento profundo dos VIPPES.
A sociedade precisa fazer pressão para que as mudanças ocorram. Passeatas para evitar reajuste nos preços das passagens de transporte público mobilizam a mídia. E para o “reajuste” nos currículos da graduação e pós-graduação daqueles profissionais que serão os responsáveis pela vida dos componentes do maior grupo etário em expansão no País, os VIPPES, pessoas de 50 anos em diante.
Torquato Morelli