- 07 de abril de 2019

Se a cadeira falasse

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A cadeira parece ser um objeto inanimado, sem vida, sem alma. Acolhe uma parte do corpo humano que está sempre a procurá-la. Isso a faz se sentir desejada! E se ela pudesse falar?

se_a_cadeira_falasseAlguns estilistas afirmam que a cadeira nada é mais que um banco com encosto. Outros dizem que ela é uma poltrona sem braços. Mas o que ela pensa dos seus usuários?

Uma pesquisa imaginativa foi realizada e algumas considerações se destacaram e seguem abaixo:

– Eu sou uma cadeira estabelecida na sala de espera de um consultório de geriatra. Geralmente o pessoal que chega e logo me procura é idoso e não vê o momento de praticamente cair sobre minhas quatro pernas. Principalmente são mulheres, digamos que oito mulheres para cada homem. Como não tenho sexo definido, tanto faz ser homem ou mulher que dá no mesmo. O problema de uma parte dessa gente é na hora de sentar ou levantar. É a coluna lombar de uma que não ajuda, braço da outra que não tem força, fulana que fica com tontura nessa hora, beltrano que perdeu mobilidade em uma perna e assim por diante. Bastaria que eu tivesse braços e que me chamassem de poltrona e tudo se resolveria. Antes desse geriatra, o meu dono era um pediatra que por causa do envelhecimento populacional acabou passando o consultório. No tempo do pediatra era uma maravilha de confusão: crianças trepavam em mim, me empurravam, vomitavam e as mães e os pais nem precisavam que eu tivesse braços porque eles se levantavam carregando os filhos ou brinquedos. Nenhum problema de coluna lombar, cervical, osteoporose, diabetes, labirintite e outras “ites” que a turma de hoje do geriatra é “adepta de carteirinha”, carteirinha de saúde, naturalmente. Como eu não tenho aparelho fonador eu não consigo dizer para o geriatra que os VIPPES, nome que dou para os idosos, precisam de cadeiras de braços para poder se sentar e levantar com segurança maior.

– Eu estou fixada em uma maravilhosa sala de espera de um laboratório de análises clínicas e exames de imagens em geral. Eu e mais oitenta colegas. Eu já tenho idade, uns dez anos de vida e vou percebendo que ocorre uma mudança muito grande nos usuários. Já diminuiu muito o número de crianças que apareciam por aqui me usando como pista de carrinho, trampolim de piscina, aeroporto de aviãozinho e limpadora de mãozinha melada. Muitas velhas e alguns velhos sempre caíram pesados em cima de mim e para levantar era na base de marchas: duas para frente, uma ré, outras duas para frente e uma nova ré e finalmente conseguiam ficar de pé. Agora tudo continua como está só que aumentou muito a quantidade desse pessoal de mais idade. Calculo que já são uns trinta por cento de todos que chegam aqui. Já sei que o IBGE informa que eles são vinte e um por cento da população, mas acontece que tem mais gente doente entre o pessoal mais velho. Idade por idade o IBGE está certo, mas quando se verifica quem usa mais isso ou aquilo, então as tabelas se modificam. Ninguém melhor que eu para “sentir” o peso dessa situação todos os dias e cada vez mais. Tenho colegas em salas de espera de hospitais e clínicas que me falam a mesma coisa. Será que ninguém percebe que eu já estou precisando de braços para ajudar os usuários de mais idade a sentar e levantar melhor?

– Eu sou uma cadeira de um templo de oração. Não sei qual é a religião. O que sei é que cada vez mais as pessoas que desabam em mim são idosas. Coitadas! A dificuldade para sentar e levantar é enorme. Algumas fazem um esforço perigoso e eu não tenho como ajudar. Como gostaria de ter dois braços. Sei que algumas colegas minhas são ativo fixo de alguns salões religiosos onde elas ficam apenas como reserva de poltronas estofadas com lindos e longos braços também estofados. Quem sabe algum dia eu seja reformada e perca este complexo de vítima da talidomida? Enquanto isso não acontece fico torcendo para que alguém paralise o envelhecimento populacional porque como está eu não vou aguentar gente caindo em cima de mim.

A pesquisa imaginativa ouviu muitas outras cadeiras sem braço localizadas em empresas públicas e privadas, consultórios de médicos de dezenas de especialidades, escritórios de advocacia e por aí afora.

Parece que a indústria mobiliária vai ter que se preparar para ajudar as cadeiras sem braço a perderem o sentimento de culpa porque brecar o envelhecimento populacional neste século será impossível.

G. Hansen Jr.

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